Incerteza tem sido termo recorrente nas análises de nossa conjuntura pré-eleitoral. Boas razões existem para que esta seja a marca do momento político. Por exemplo, questões centrais presentes nas disputas presidenciais desde 1994 já se encontravam solucionadas a essa altura do certame, tais como, por um lado, quais seriam as candidaturas principais a representar as forças governistas e as forças de oposição e, por outro, quem aglutinaria a centro-direita e quem concorreria pela centro-esquerda. Uma grande indagação paira até mesmo por sobre a definição de quem será a terceira via.
O cenário é preocupante e isso por um motivo básico: as eleições presidenciais vinham sendo, como aponta boa parte da literatura, responsáveis pela estruturação do sistema político em seu conjunto, oferecendo, seu desmantelamento, risco importante para a própria continuidade do edifício institucional sobre o qual se assenta a democracia no país. Duas virtudes fundamentais de tal estrutura advinham; primeiro, da clareza das principais opções em disputa e, em segundo, da tendência ao centro, portanto, à moderação, dos contendores. De um lado, tínhamos o PSDB, com DEM, parte do PMDB e sócios menores, representando as forças do capital financeiro, parte da indústria, do agronegócio e a direita ideológica; de outro, tínhamos o PT, parte do PMDB, às vezes PSB e PDT e sócios menores à esquerda, representando os trabalhadores assalariados urbanos e rurais, parte da indústria, a esquerda ideológica e extratos de baixa renda ainda sem posição bem definida na divisão social do trabalho.
Qualquer lado na contenda via-se sem chances de vitória a não ser, uma vez assegurando a hegemonia em seu respectivo campo, ao acenar para o eleitor do centro, o que não seria crível, por sua vez, exceto moderando suas posições e políticas. As eleições presidenciais estruturavam o sistema político porque, através das negociações e acordos visando estabelecer as coalizões em torno das principais candidaturas à direita e à esquerda, estabeleciam-se também os acordos para a definição das candidaturas aos governos estaduais e, por aí, das candidaturas ao Senado e da nominata das listas partidárias. Portanto, na falta de informações seguras sobre quem são os atores com reais chances de vitória, um grande improviso, para além do razoável, cerca a formação de chapas e listas para as eleições proporcionais – ponto de partida para a composição da Câmara dos Deputados.
Na verdade, três são os fatores que produziram esse imenso “choque externo” em nossas instituições: primeiro, o controverso episódio do “impeachment”, ao qual boa parte da opinião política, na qual me incluo, designa de golpe parlamentar; segundo, a radical inflexão das políticas do país promovida pelo atual governo na direção do que demandavam forças econômicas e sociais específicas, ao arrepio de qualquer articulação societal mais ampla; em terceiro, e talvez o mais grave, a tutela exercida pelas forças não eleitas do aparelho do Estado, leia-se, Judiciário e Ministério Público, sobre o processo político, partidário e eleitoral.
O impeachment solapou as bases mínimas de confiança mútua entre os atores políticos que vinham disputando hegemonia nas eleições, nacionais e estaduais – hoje em dia não se sabe exatamente quais as armas possíveis de serem usadas no jogo; a inflexão radical à direita retirou o elemento de moderação próprio aos processos democráticos e que vinha caracterizando a experiência brasileira de crescimento com inclusão desde a década de 90. Agora, todo candidato, para ser viável, se vê obrigado em alguma medida a radicalizar; a tutela do Judiciário e MP insere o imponderável na disputa, encurtando exponencialmente o cálculo dos atores políticos, numa disputa assimétrica na qual esses se veem obrigados a responder aos eleitores, e os agentes não eleitos do Estado não respondem a ninguém, talvez, em determinadas condições, aos seus colegas, talvez, em algumas outras, à grande mídia. Tarefa hercúlea e primordial, por tudo isso, terá nossa( o) próxima(o) mandatária(o), revestindo o pleito presidencial de outubro de importância transcendental – trata-se, mais do que tudo, de restabelecer as condições mínimas de convivência democrática no país.